Sustentabilidade
A sustentabilidade tornou-se um pilar estratégico para o setor hoteleiro, mas a sua implementação real está longe de ser linear ou infalível. As metas ambiciosas enfrentam frequentemente resistência interna, falta de formação, decisões mal executadas ou simplesmente uma desconexão entre a teoria e a prática.
08-05-2025 . Por TecnoHotelPortugal
E, no entanto, falar sobre estes erros continua a ser um tabu. As empresas temem as críticas públicas, preferem manter-se em silêncio sobre os seus fracassos (silêncio verde) e acabam por perder oportunidades valiosas de aprendizagem coletiva.
Este relatório — baseado neste artigo publicado na Hospitality Net — reúne as vozes de nove especialistas internacionais que concordam num ponto essencial: as falhas de sustentabilidade são inevitáveis, mas escondê-las apenas adia as mudanças. Desde erros de gestão de resíduos a falhas de comunicação ou desconexões com os hóspedes, os seus testemunhos não só revelam o que correu mal, mas também como pode ser feito melhor. E, acima de tudo, porque é urgente construir uma cultura organizacional que normalize os erros como parte do processo de melhoria contínua.
Do silêncio à aprendizagem: a sustentabilidade exige honestidade
Para Willy Legrand, professor da Universidade Internacional de Ciências Aplicadas da IU, o principal obstáculo ao avanço da sustentabilidade não é tanto a complexidade técnica, mas sim a falta de transparência perante o erro. "A sustentabilidade falha quando fica apenas em PDFs e reuniões de gestão. Precisa de ser discutida em cozinhas, lobbies, reuniões de equipa e gabinetes de arquitetos e promotores imobiliários", afirma.
Legrand alerta para o fenómeno do green hushing, o silêncio auto-imposto pelas empresas para evitar a exposição pública das suas falhas. Mas, como sustenta, sem partilhar erros não há inovação ou melhoria possível. O fundamental é traduzir grandes conceitos — como limites planetários — em ações quotidianas: redução de resíduos, eficiência energética, formação de colaboradores e redesenho de processos.
Na sua opinião, "O uso excessivo de linguagem técnica e siglas em sustentabilidade dificulta o entendimento e o engagement entre colaboradores, clientes e investidores, deixando a sustentabilidade como um tema reservado a especialistas ou relatórios corporativos, sem impacto operacional".
Erros que ensinam: falhas na sustentabilidade hoteleira
— O efeito perverso do biodigestor
Elena Cavagnaro, professora na Universidade Stenden, conta como a instalação de um biodigestor num restaurante, paradoxalmente, levou a um aumento do desperdício alimentar. A equipa percebeu que, como os resíduos podiam ser convertidos em gás, já não havia necessidade de trabalhar na prevenção de resíduos.
Noutro caso, a falta de planeamento impediu o funcionamento adequado do biodigestor: a equipa não conseguiu cumprir os requisitos técnicos e, por fim, o gás gerado não pôde ser utilizado na cozinha devido a incompatibilidades técnicas.
— Do entusiasmo à paralisia
Sarah Habsburg-Lothringen, consultora especializada em pequenas e médias empresas hoteleiras, alerta que muitos hotéis iniciam com entusiasmo a sua transição sustentável, mas não conseguem sustentá-la ao longo do tempo.
A pressão operacional diária, a resistência à mudança e a falta de formação fazem com que práticas essenciais, como a medição de emissões e a formação dos colaboradores, sejam indefinidamente negligenciadas. "O problema é que, sem obrigações legais claras, muitos proprietários optam por esperar", lamenta.
Poupe plástico, aumente os gastos
Jo Hendrickx, fundadora da Travel Without Plastic, partilha um caso comum: substituir os produtos de higiene pessoal de uso único por dispensadores recarregáveis. Embora a intenção fosse reduzir o desperdício, num hotel, o resultado foi um aumento do consumo de produtos e dos custos associados. "Não são fracassos em si, mas sim aprendizagens. O verdadeiro erro é não falar sobre eles", aponta. Outro hotel, no entanto, optou por reduzir os tabuleiros do buffet para limitar o desperdício. "Funcionou, mas gerou queixas dos clientes", diz.
Ainda assim, acrescenta, a chave para promover a sustentabilidade passa por uma mudança de mentalidade em ambientes onde os diferentes departamentos têm frequentemente prioridades conflituantes. "Quando o sucesso de uma equipa significa que outra equipa não consegue atingir os seus objetivos, é fácil que a frustração se transforme em culpa, e que os erros criem barreiras em vez de oportunidades de aprendizagem", explica.
Como criar uma cultura de erro construtivo
— A curiosidade antes da crítica
Ainda assim, para Hendrickx, a abordagem precisa de mudar: não se trata de evitar erros, mas sim de os abordar como experiências. Ferramentas como os quadros de falhas — espaços onde as equipas partilham erros e lições aprendidas — ajudam a normalizar tentativas e erros, a prevenir grandes crises e a promover a colaboração interdepartamental.
— Sistemas de melhoria contínua
Anke Winchenbach, investigadora e consultora, propõe a adoção de modelos como o Ciclo de Reflexão de Gibbs, um processo de seis etapas (descrição, emoções, avaliação, análise, conclusão e plano de ação) que permite que a aprendizagem com os erros seja integrada na cultura organizacional. “Ainda não vi isto em nenhum relatório de sustentabilidade, mas seria muito valioso para incluir”, observa.
Reportagem mais honesta e menos triunfalista
Johanna Wagner, educadora e fundadora da Upside Up, sugere que as grandes cadeias hoteleiras incluam secções específicas sobre falhas nos seus relatórios de sustentabilidade. Isto não só reforçaria a transparência e a confiança com as partes interessadas, como também aceleraria a aprendizagem colectiva dentro do sector. Propor uma matriz de análise que distinga entre falhas causadas por fatores internos ou externos pode até servir de roteiro para futuras alterações regulamentares ou tecnológicas.
Aprendizagem em comunidade: o caso de Nay Palad
Hervé Lampert, proprietário do resort Nay Palad Hideaway, nas Filipinas, admite que um dos seus maiores erros foi não ter criado um comité de sustentabilidade desde o início, o que atrasou a adoção das melhores práticas. Com o passar do tempo, esta ausência tornou-se evidente e foi corrigida com a criação dos Campeões da Sustentabilidade, figuras internas encarregadas de liderar e coordenar esforços sustentáveis.
"Para nós, o fracasso tem sido uma fonte de aperfeiçoamento. O importante é ter uma visão clara e uma cultura que nos permita aprender em conjunto", afirma Lampert. Destaca também o valor de pertencer a redes como a The Long Run, onde a troca de erros e soluções entre membros se torna uma ferramenta de melhoria coletiva.
E o convidado? O grande esquecido da mudança
Peter Varga, professor na EHL Hospitality Business School, identifica um desafio estrutural: o comportamento do cliente. Embora os viajantes relatem valorizar a sustentabilidade, as suas expectativas raramente estão alinhadas na prática. Muitos ainda esperam indulgência e excesso, seguindo uma lógica herdada do turismo aristocrático dos séculos passados.
"Os hotéis devem trabalhar não só para melhorar as suas práticas, mas também para educar os hóspedes para que compreendam e aceitem mudanças responsáveis sem comprometer a experiência", afirma. Mudar esta mentalidade permitir-nos-á oferecer serviços mais sustentáveis sem perder competitividade.
Publicado originalmente no Hospitality Net sob o título "Nós falhámos! Lições das falhas de sustentabilidade na hotelaria", este artigo reúne os testemunhos de vários especialistas que analisam com coragem e autocrítica as falhas mais comuns na implementação de práticas sustentáveis no setor hoteleiro. No TecnoHotel, recuperámos e desenvolvemos estas reflexões porque acreditamos que reconhecer os erros é o primeiro passo para construir um futuro mais resiliente e eficiente.
David Val Palao
Diretor do TecnoHotel. Licenciado em Jornalismo pela Universidade Complutense, trabalha há mais de 10 anos nos setores educativo e cultural. Desde 2017 que escreve e coordena o TecnoHotel. Ocupou os cargos de editor e editor-chefe até ser nomeado diretor em setembro de 2023. Siga-o no Linkedin.